segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Convite 03 - O Desejo

Não me interessa saber como você ganha a vida.
Quero saber o que mais deseja
e se ousa sonhar em satisfazer os anseios
do seu coração.
Acredito no desejo, onde quer que ele me encontre. E muitas vezes ele me encontra em momentos imprevisíveis e inconvenientes. É como uma porta que se abre de súbito. Nunca estou preparada. Não há preparação para o modo como ele me toma e me abandona, para a intensidade da dor. É a voz dos pedaços que perdi nos acordos que busquei fazer com a vida, tentando trocar parcelas dos meus sonhos por promessas de segurança.

Algumas manhãs reservo dois minutos para me sentar no pátio de casa e oferecer uma oração ao dia, embora parte de mim esteja ansiosa para iniciar as tarefas que me aguardam: acordar meus filhos, preparar o café da manhã, dar telefonemas, colocar algumas pilhas de roupa na lavadora, expedir correspondência...

Mas, por um momento apenas, me sento sob a luz fresca e renovada do sol das primeiras horas da manhã, o vento batendo em meu cabelo, meus pés descalços na grama úmida, e me surpreendo com o fluxo de desejo que me invade. É um anseio indescritível. Suspende minha respiração, faz com que meus lábios sussurrem: "Eu quero... eu quero..." Não consigo completar a frase. Tenho de aguardar, aberta e ansiosa. E esse desejo chega e me arrebata, e eu me lembro do que pensei que jamais poderia esquecer. Esse desejo me seduz com promessas encerradas nas células do meu corpo. Ele me fala de descanso, de vínculos profundos comigo mesma, do desejo pelo outro, de viver com fé no sagrado.

Sentada com Twylah Nitsch, uma anciã índia, junto à mesa da cozinha de sua casa, na luz pálida da manhã, partilhando xícaras de chá quente, pergunto-lhe:

— Quanto tempo esteve casada?

Twylah faz uma pausa e empurra para trás as mechas de cabelo branco que recusam obedecer aos grampos. É uma mulher pequena, de menos de um metro e meio, cheia de vitalidade aos oitenta anos. As linhas intensas da vida cobrem-lhe a pele da face e das mãos.

— Eu sou casada — responde tranquila. — Embora meu marido tenha morrido há doze anos, ele ainda é, como foi durante trinta e dois anos, meu marido.

O modo como ela diz isso me provoca um aperto na garganta. Posso ver em seus olhos e na maneira como sua mão se estende para o bule de chá que é verdade. Sei que a noite passada, sozinha na cama, quando cruzava a fronteira do sono, ela o sentiu aninhado contra ela, os pêlos do peito roçando suas costas magras, as coxas musculosas aninhadas nas curvas de suas nádegas envelhecidas, as mãos fortes acolhendo seus seios flácidos e caídos. É como sempre foi. A separação de anos, ou mesmo de mundos, não pode mitigar o desejo que sentem um pelo outro.

Em silêncio, seus pálidos olhos azuis observam meu rosto enquanto meus dedos acompanham os desenhos do sol na toalha de plástico. Anseio por essa intimidade profunda, esse nível de comprometimento com o outro em cada momento de minha vida.
Quero saber como viver isso, mesmo que nosso tempo juntos seja breve. Quando nos encontrarmos, não quero lhe perguntar como você ganha a vida. Quero saber a que anseia quando a porta do desejo se abre e se você tem coragem de sentir seu próprio desejo. Conte-me algo que não tenha contado a si mesmo durante muito tempo. Deixe que venha de suas entranhas, de modo que possamos nos surpreender juntos. Nós nos sentaremos aqui, lado a lado, o tempo que for necessário, esperando que venha. É duro esperar sozinho. Houve momentos em que tive medo de que meu anseio não voltasse a me encontrar. Todas as minhas caminhadas foram em busca dos desejos que abandonei.
Mais de uma década se passou desde que me vi de pé na sala, de malas feitas, Nathan babando com seu bom humor, enganchado no meu quadril, Brendan brincando com alguns blocos de madeira aos meus pés. Não tinha outro plano senão juntar as fraldas, os brinquedos e as roupas que empacotara. Esperava meu marido chegar em casa enquanto as sombras se alongavam. Era uma mulher em suspenso, incapaz de mover-me nem que fosse para acender uma luz. Esperava que ele chegasse antes que tivesse escurecido o suficiente para fazer parecer completamente louco estar ali, de pé, no meio da sala, sem nenhuma luz acesa.

Quando ele cruzou a porta e pôs os olhos na mala, tudo o que eu consegui dizer, com a voz sumida e monocórdia, foi:

— Estamos indo embora.
— Muito bem — ele zombou — e para onde exatamente você planeja ir?
Ele não era um homem cruel, apenas alguém cansado. Estávamos ambos muito cansados.
— Não sei. Só sei que não posso continuar aqui.

As palavras não eram capazes de expressar o terror que eu sentia de que estivesse murchando por dentro, um pouco a cada dia.

— Meu Deus, Oriah, não vamos fazer um drama. Levou as crianças para a cozinha e começou a preparar o jantar.

Fiquei sozinha na sala, a luz agonizante retirando toda a cor das formas familiares dos móveis. Não podia abandonar meus filhos e não tinha para onde levá-los. Esperei que o conhecido torpor subisse por minhas pernas e tomasse conta do meu corpo. Finalmente, sabia, estaria tão paralisada, que não seria capaz de me mexer. E quando cheguei a esse ponto, recolhi a bagagem, caminhei em direção ao quarto e desfiz a mala, colocando-a atrás do armário.

Meu marido e eu jamais conversamos sobre esse assunto. Um ano depois, quando de fato fui embora, ele ficou chocado. Dirigiu-me um olhar vago quando lembrei-lhe aquela noite, que eu o recebera de malas feitas — e como ele me olhou como se eu estivesse fingindo.

E assim comecei a partir. Em meus relacionamentos, transformei-me numa mulher sempre com a mão na porta, temerosa de deixá-la fechada por muito tempo, por medo de ser apanhada, de me encontrar uma vez mais de pé, na penumbra, incapaz de sair, sem ter para onde ir. Desde o início, eu dizia a cada parceiro o que podia esperar de mim. Não podia ser acusada de usar subterfúgios, de enganar quem quer que fosse. A honestidade era meu álibi.

Sabia que não podia ficar, a menos que soubesse que podia partir. Sabendo que podia partir, desejava intensamente saber que podia ficar, saber como viver um compromisso com um companheiro que não desviasse meu rosto de minha própria vida, interior e exterior.

Diga-me o que mais deseja. Não quero ouvir nenhuma outra história de desagregação familiar como explicação para sua atual fragilidade. Deixe-me provar suas histórias no sal das lágrimas que seco em seus olhos. Desejo percorrer em câmara lenta os lugares que vão se tornando familiares. Quero subir em espiral, quase tocando, até bem perto do lugar onde possamos sentir o calor do ar entre nós, uma caminhada sem pressa, enquanto perscrutamos os novos aromas de cada um, deixando-os permanecer em nossas narinas, aspirando-os profundamente, permitindo que nossos corpos e corações provem o impulso de mover-se um em direção ao outro antes de qualquer movimento.
Quero ser cortejada pela verdade. Deixar que as histórias que contam nossas vidas se entrecruzem em longas tramas multicoloridas. Não me conte demais, nem cedo demais. Não esconda nada. Conte os contos de seu coração, ofereça-os como pérolas perfeitas vindas das profundezas do mar para serem colocadas juntas num mesmo fio, uma estalando gentilmente contra a outra, luminosas e iridescentes ao rolarem suavemente para fora da umidade. Daqui a dez anos quero ouvir uma história da sua infância que jamais tenha escutado antes e conhecer a delícia e o eterno espanto de nos vermos um ao outro pela primeira vez, muitas vezes. Apresente-me cada cena devagar, para que eu possa me demorar nela e encontrar você, reflexos de mim mesma e o prenúncio de nós dois ali, nos detalhes. Quero manter conversas amenas durante toda a noite e descobrir-nos capazes de ficar em silêncio juntos, por vários dias, nossa intimidade aguçada pela solidão partilhada.

E se tivermos de nos amar, pela primeira vez ou uma vez mais, depois de muitas vezes, que esse ato de amor seja cheio de timidez e descoberta, como era, ou poderia ter sido, quando tínhamos dezesseis anos: hoje um beijo que permanece nos lábios, um toque em minha nuca que repercute durante muitas horas, amanhã uma carícia leve nos seios que me fará perder o fôlego. Quero saborear cada descoberta do toque como o desdobramento infinito do outro. Quero retardar tudo, andar ao acaso, úmida, ansiando pelo que possa vir, para que eu saiba quando fui plenamente invadida, seja por seu corpo, por sua história ou simplesmente pelo momento que passa entre nós.
Esse é o desejo da alma humana pela outra, ouvido através do corpo e do coração. É difícil para mim tomar conhecimento desse desejo. Preocupa-me a possibilidade de ele ter um valor apenas secundário — como um meio para atingir um fim —, de ser tão-somente um apoio para minha união com o Espírito, para minha missão no mundo. Mas nós amamos o Espírito e honramos o sagrado pelo modo como nos tocamos um ao outro. Mesmo quando estou totalmente comigo mesma, ainda guardo dentro de mim o anseio pelo outro e pelo mundo.

O universo não é dado duas vezes. A separação entre Espírito e matéria está em nosso pensamento, no nosso modo de falar dela. Chego a Deus quando acaricio o rosto do homem amado, abraço o Todo-Poderoso quando a mão de meu filho segura a minha, inspiro o Espírito quando apreendo o aroma do sol na brisa. O mundo se oferece a mim de mil maneiras e eu sofro ao constatar que poucas vezes sou capaz de receber mais que uma pequena fração do que me é oferecido, que frequentemente rejeito o que me vem por achar que não é bastante bom. Algumas manhãs, sentada por momentos no pátio, nem chego a perceber o quanto retesei os músculos por causa do barulho do tráfego da cidade, resistindo ao que decidi ser uma deturpação da quietude da manhã. Eu me retraio, incapaz de acolher esse som, ou não querendo reconhecê-lo como parte de tudo que está vivo, como o simples som de homens e mulheres iniciando seu dia, partindo para o mundo, para fazer o trabalho que lhes dá o sustento e o de seus filhos.
Você é capaz de ver e tocar o divino que está em tudo? Vivemos numa sociedade leiga, com poucos rituais em nosso cotidiano para ajudar-nos a recordar e tomar consciência do sagrado. Privados das pequenas formalidades, nos tornamos plenamente familiarizados com o lado humano de cada um. Preciso de uma pequena distância, de vez em quando, que me lembre o quanto os outros são mistérios para mim, e eu para eles, para saborear a expectativa de tocar, com fascínio, o divino no outro.

Meu avô, Baba, se levantava quando uma mulher entrava na sala, silenciosamente, confiantemente, como se fosse a coisa mais natural do mundo. A mulher podia ser jovem ou velha, bonita ou comum, a vizinha do lado ou a cunhada de fala macia. Meu pai, um homem imprensado entre duas eras, se levantava às vezes. Nossa geração descartou as delicadezas sociais como gestos vazios, sem qualquer sentido real, afastados dos bons propósitos. Que homenagem ao feminino poderia haver em levantar-se de uma cadeira se, ao mesmo tempo, a comunidade perdoava um homem que batia na mulher ou a proibia de ter seu próprio trabalho?

Será que Baba sentia a antiga agitação do guerreiro macho em seu sangue, aquele que reconhecia, homenageava e afagava as mulheres de sua tribo como doadoras de vida, seres que na própria forma do ventre e dos seios carregavam a imagem da vida? Pretenderia ele saudar a vida e colocar-se a seu serviço ou estaria simplesmente sendo educado, seguindo regras há muito sem sentido?

Não sei. Ainda assim, quando entro numa sala e um homem fica de pé até que eu me sente, percebo que uma parte de mim responde ao gesto, pensando como seria viver onde o que oferecemos, o lugar que ocupamos e que é maior do que nós, é visto e avaliado. Sinto como isso me atrai, não para negar meu lado humano, mas para me lembrar de meu lugar no mundo, para me elevar e encontrar o melhor em mim mesma e oferecê-lo à minha gente, para me tornar digna de ser Mulher, Geradora de Vida, Guerreira, Mãe, Irmã, Avó, Sonhadora, Sacerdotisa...

É fácil perder de vista o divino presente no parceiro que recolhe o lixo e mais fácil ainda se ele ou ela não recolhe o lixo. É difícil lembrar de procurar e encontrar esse divino no empregado do estacionamento ou no balconista que nos atende. Precisamos de gestos partilhados, de pequenos rituais que nos ajudem a prestar atenção, que nos permitam ver e honrar o mistério do outro todos os dias. Esse é o compromisso que minha alma anseia assumir com o mundo.

E quero deixar de tentar fazer isso.

Não é o ser, ou mesmo o fazer, que nos esgota. É o tentar: tentar estar presente, tentar estar atento, tentar abraçar o mundo inteiro, ser melhor, mais autoconsciente, mais alerta. Minhas esperanças para nós são reais: quero ajudar a criar um mundo em que a simples idéia do resíduo tóxico gere tamanho brado de angústia por parte das pessoas, que se torne impensável. Um mundo onde nos juntemos, levados pelo coração, para cuidar dos pobres, dos doentes, dos moribundos e dos desesperados, sem questionar se merecem ou não, sem medo de contaminação, vendo a nós mesmos em cada uma dessas pessoas.

Por mais dignificantes, porém, que esses desejos possam ser, sei que minhas razões são confusas. Temo que, se não estiver realizando algo, desaparecerei, não terei nada para lhe oferecer quando nos encontrarmos. Quero ser capaz de viver um dia, um mês, um ano — ou mesmo uma vida — sem precisar que isso se transforme numa boa história. Se nada tiver para lhe dizer quando nos encontrarmos e você me perguntar o que vem acontecendo, quero poder, com tranquilidade, não ter nada para contar. Quero ser capaz de ocupar todos os espaços da minha vida e fazer com que isso seja suficiente.
Há lugares em mim jamais tocados pelo bálsamo calmante do descanso. Anseio por uma pequena trégua no esforço por alcançar um momento de doce tranquilidade, de silenciosa escuridão, o grande silêncio que possa penetrar e desfazer os pequenos e estreitos nós das tentativas sem fim. Quero parar de correr do meu próprio cansaço. Almejo querer e ser capaz de me mover apenas com a rapidez que me for possível, permanecendo ainda vinculada ao impulso do movimento que vem do fundo de mim mesma, detendo-me quando tiver perdido aquele tênue fio do desejo e tendo a coragem e a fé para esperar, imóvel, até encontrá-lo novamente.

Isso é o que mais desejo: intimidade comigo mesma, com os outros e com o mundo, intimidade que toque o sagrado em tudo que é vida. Essa aspiração, esse anseio é o lio que me conduz de volta, pelo labirinto dos compromissos que assumi, aos desejos da minha alma. E algumas vezes lenho medo de meus desejos — medo do que eles venham a me pedir, da visão que ofereçam de mim mesma ou do mundo, e que possam exigir um sacrifício do meu modo de ver as coisas, tão cuidadosamente cultivado. Se nunca nos deixarmos consumir pelo fogo transformador de nossos desejos, corremos o risco de nos apaixonarmos pela doce aspiração de ansiar, pela fantasia do "que tal se..." ou "quem sabe algum dia...".

A disposição de viver nossos desejos exige coragem. Quantas vezes esses desejos foram usados contra nós, usados para nos vender algo que alguém queria que comprássemos. Para que pudéssemos caminhar em direção ao desejo de um compromisso profundo com o Espírito, venderam-nos a obediência cega. Para que nos abríssemos para nosso desejo de amor, venderam-nos o abandono do eu. Para que buscássemos abraçar nosso desejo de beleza, venderam-nos tudo — de carros a roupas, de férias exóticas a operações plásticas. Venderam-nos um estilo de vida, quando o que nossa alma desejava era a vida.

Para experimentar nosso desejo, sentir nossa aspiração mais profunda, corremos o risco de encontrar os desejos de nossa alma. Corremos o risco de deixar de satisfazer esses desejos. Corremos o risco de vivê-los plenamente.

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