De vez em quando vivemos momentos de verdadeira graça.
Durante a meditação da manhã, às vezes um espaço se abre dentro de mim e partes que eu nem sequer sabia que existiam se soltam. Nesses momentos, sinto todos os pontos rígidos do coração e do corpo cederem a uma grande suavidade trazida pela respiração e me sinto tomada de compaixão por uma parte minha que está sempre tentando, sempre organizando, resolvendo problemas, prevendo. Minha mente pára e simplesmente acompanha a respiração. Uma grande fé me purifica, uma certeza de que tudo que tem de ser feito será feito. Meus ombros pendem cerca de dois centímetros, a dor leve, familiar, que sinto no peito diminui e o momento se prolonga. Há bastante: bastante tempo, bastante energia, bastante de tudo que é necessário. Uma grande ternura por mim mesma e pelo mundo me invade e eu sei que pertenço a esse tempo, a essas pessoas, a essa Terra, e a algo que está dentro de tudo isso e é maior que tudo isso, algo que nos sustenta e nos acolhe a todos. Não quero estar em nenhum outro lugar. Sou tomada por um desejo de compromisso e compaixão por mim mesma e pelo mundo.
Levanto-me então da almofada e começo meu dia sem pressa. Ao entrar no banheiro, percebo por um instante o meio sorriso silencioso em meu rosto se transformando numa expressão de desgosto quando a água fria encharca minhas meias imaculadamente brancas. Toda a aparência de elegante tranquilidade se dissipa num grito agudo e mortal quando examino as consequências do banho de meus filhos adolescentes: poças de água no chão de cerâmica, várias toalhas úmidas empilhadas num canto, outras retorcidas nos porta-toalhas em configurações que não lhes possibilitariam estar secas antes do final do milênio, a cortina do boxe metade para dentro, metade para fora da banheira, embolada e dobrada para facilitar ao máximo o crescimento do mofo.
Mais tarde, depois de limpar tudo, já sentada na cozinha com uma xícara de chá quente, meu filho mais jovem, Nathan, se dirige a mim:
— Eu sei que não devíamos deixar o banheiro nessa bagunça, mamãe — ele diz cuidadosamente, tentando parecer sensato —, mas acho bastante normal um adolescente deixar toalhas molhadas no chão. Não que devêssemos fazer isso — acrescenta rapidamente, recebendo meu olhar agudo por sobre a borda da xícara —, mas, se essa é a pior coisa que fazemos, você não tem motivo para se preocupar tanto, não acha?
Não posso deixar de rir. É claro que ele está certo.
Essa é a realidade que vivemos: ao procurar fazer o melhor possível, desejando encontrar, e algumas vezes encontrando, significados e vínculos em nós mesmos e em tudo que é maior do que nós, somos aniquilados por banheiros em desordem, congestionamentos de trânsito e torradas queimadas. Não estou interessada numa espiritualidade que não possa abranger meu lado humano. O dogma tradicional ou o otimismo irrestrito da Nova Era pouco me confortam ou orientam. Porque por baixo das pequenas tentativas do cotidiano existem paradoxos mais cruéis, coisas que a mente não consegue conciliar, mas que o coração tem de suportar se quisermos viver plenamente: cansaço intenso e esperança radical, crenças abaladas e fé implacável, os desejos aparentemente contraditórios de liberdade pessoal e de um sério compromisso com os outros, de solidão e intimidade, da capacidade de simplesmente estar com o mundo e da necessidade de mudar aquilo que sabemos ser inadequado à nossa maneira de viver.
O Convite é uma declaração de intenções, um mapeamento dos anseios da alma, do desejo de viver apaixonadamente, cada um cara a cara consigo mesmo e com a pele colada ao mundo que nos cerca, não aceitando senão o que é real. Este livro é uma jornada pelo território traçado pelo Convite. Antes de decidirmos cruzar esse território juntos, alguns pontos devem ficar claros. Porque simplesmente dizer "sim" ao Convite, sentindo o impulso do coração ou a aceleração sanguínea exigindo que avancemos, não é o mesmo que fazer de fato a caminhada.
Quero viver em profunda intimidade cada dia da minha vida. Sou guiada, algumas vezes conduzida, por um desejo de correr os riscos necessários que irão me permitir viver perto daquilo que está em mim e ao meu redor. Algumas vezes temo que possa ser demais, que eu não tenha ou venha a ter o que é necessário para suportar tudo isso, a sensível beleza e o terrível sofrimento de estar plenamente vivo. Sabendo o quanto a beleza, assim como a dor podem ser assustadoras, faço aqui, no início dessa caminhada, três promessas, que são ao mesmo tempo três advertências.
Primeiro, as situações mencionadas em O Convite não são metafóricas. São reais. Quando digo que quero saber se você é capaz de se levantar, após uma noite de tristeza e desespero, exausto e ferido até os ossos, e fazer o que precisa ser feito para alimentar seus filhos, não quero saber se tem boas intenções ou se pode pagar alguém para cuidar daqueles que necessitam da sua atenção. Quero saber se você é realmente capaz de se levantar quando nada em você deseja fazer outra coisa a não ser ficar debaixo das cobertas. Quero saber se é capaz de cumprir as tarefas pequenas e comuns, porém indispensáveis, se é capaz de dar o que é necessário quando sente que já não lhe resta nada para dar. Quando pergunto se é capaz de ficar só com você mesmo, não estou perguntando se a idéia de ficar só o agrada, mas se consegue, de fato, ficar sozinho por algumas horas, sem ligar a TV ou o rádio, sem pegar o telefone ou uma revista, se é realmente capaz de encontrar sua própria companhia e ficar em paz com ela.
Assim, a primeira advertência é também a primeira promessa: se este livro tiver êxito e conseguir levá-lo para dentro do território do Convite, você irá experimentar a dor, a tristeza, a alegria, a coragem e a paz, em vez de apenas ler a respeito delas.
As histórias pessoais que divido com os leitores não são importantes em si. Todos temos mil histórias e minha vida não teve nem mais nem menos do que outras. Porém, histórias cuidadosamente escolhidas e elaboradas, tanto por quem conta quanto por quem ouve, podem abrir caminhos para nossa paisagem interior, podem dar a conhecer o significado de nossas vidas, presente nos detalhes e revelado em seu relato e na sua contemplação consciente. Prometo que não fingirei saber algo que não experimentei. Tampouco tentarei aumentar nosso conforto recíproco fingindo estar confusa quando não estiver.
Isso nos leva à segunda advertência e promessa: as consequências dos momentos de profunda intimidade com você mesmo, com outros ou com o mundo são totalmente imprevisíveis. Quando aprendemos a estar de fato presentes, com nossa alegria e nossa tristeza, com nossos anseios e nossos desejos, camada após camada de nós mesmos e do mundo são reveladas. Não podemos saber por antecipação como será essa revelação ou que tipo de atitude ela irá nos inspirar ou nos levar a tomar. Em workshops que coordenei, observei participantes, depois de se aproximarem da intimidade que esperavam ter com seus próprios desejos e sentirem no vento o aroma da mudança anunciada, darem as costas e fugirem daquilo que tinham vindo procurar — um vínculo mais profundo consigo mesmos e com o espírito — por medo do que isso exigiria deles. Se baseamos parte da vida em mentiras, ou em verdades que não mais se sustentam, não importa se bem-intencionados ou inconscientes, as mudanças provocadas pela intimidade podem ser muito perigosas. Não podemos antecipar que aspectos, se é que há algum, do nosso cuidadosamente construído sentido de "eu" irão sobreviver. Essa é a boa notícia, e a má também: se você decidir fazer a caminhada, uma mudança real será possível e inevitável e, desse ponto de vista, totalmente imprevisível.
A terceira advertência contém ainda outra promessa: nenhum trecho da caminhada será desperdiçado. Uma vez que reconheça em você mesmo um desejo intenso de algo mais que tão-somente continuar, uma vez que experimente ainda que apenas a possibilidade de tocar o sentido oculto de sua vida, jamais se contentará por completo em exclusivamente acompanhar os movimentos. Não há retorno possível. Não se pode destruir o que se aprendeu. A sabedoria alcançada em momentos de intimidade verdadeira penetra a alma com o conhecimento de quem e do que somos. Ela nos transforma.
Não posso prometer que a caminhada será sempre fácil. Abrir-nos para a convivência íntima com o mundo não é um processo seletivo. Se nos recusarmos a tocar os pontos em que há tristeza ou caos, em nós mesmos ou nos outros, não poderemos cultivar a capacidade de estar completamente presentes em nossos momentos de alegria e êxtase. Mas, se nos abrirmos à tristeza, tanto quanto à alegria, poderemos ampliar nossa capacidade de nos abrigar e ao mundo em nossos corações.
Sei que podemos fazer isso, pois experimentei e observei em outros a capacidade de penetrar e de abraçar cada um dos espaços de intimidade invocados pelo Convite. Posso afirmar que é possível sentir dor sem tentar escondê-la, disfarçá-la ou remediá-la, dançar com alegria e sentir o êxtase completo, conviver com o fracasso, ver a beleza, ficar no centro do fogo... Vivi cada uma dessas etapas sem lamento e minha experiência me trouxe uma grande fé no espírito humano. Minha experiência gerou em mim uma ternura infinita pela coragem do coração humano, o meu e o seu, que será capaz de se reerguer infinitas vezes e de se expandir a ponto de acolher tudo que importa, mesmo quando isso possa parecer, à mente humana, insuportável ou simplesmente impossível.
Nós podemos fazer isso. E é mais fácil quando fazemos juntos. Quando dava à luz meu primeiro filho, meu companheiro — tão inexperiente e angustiado quanto eu pela intensidade das dezesseis horas de trabalho de parto — tentava me acalmar dizendo que tudo caminhava conforme o previsto e que eu estava bem. Dividida entre o medo do que ainda estava por vir e a dor do momento, eu me sentia mal.
— Como pode saber? — retruquei, e ambos olhamos para a parteira.
Quando ela nos assegurou que tudo estava bem e lembrou-nos que devíamos ficar atentos à respiração, nós a ouvimos. Ela sabia. Ela estivera ali muitas vezes antes. Era em seu conhecimento, nascido da experiência, que nós confiávamos. Faremos nascer aqui uma intimidade mais profunda com nossas vidas e nosso mundo. Eu sou a parteira que fez inúmeros partos e gerou seus próprios filhos. Nos momentos de dificuldade, eu farei você lembrar aquilo que já sabe: que pode fazer isso, que a coragem de ir mais fundo consiste em permitir que o desejo cresça mais que o medo, que a força reside no anseio de viver plenamente, na vontade de não aceitar nada menor. Não deixarei você em suspenso nas passagens que possam ser difíceis, mas o levarei até os lugares onde a respiração seja mais fácil, oferecendo de vez em quando preces e meditações que poderá usar para descansar e refazer seu corpo e seu coração.
Não estamos sós quando lutamos para nos abrir totalmente à vida. Quando sou capaz de viver em verdadeira intimidade, quando estou atenta a cada instante e não me afasto do que é real, experimento uma presença que não é a minha apenas, que me invade mesmo quando eu domino o momento. Essa presença, esse Grande Mistério, conhecido por tantos nomes diferentes — Deus, Espírito, Alá, Grande-Mãe —, me eleva, me enche de um vasto silêncio e de um sentido aguçado em relação à interconexão de toda a vida. Tenho fé nesse Mistério e nas muitas maneiras que ele possui de nos amparar.
Antes de iniciarmos essa caminhada juntos, você tem o direito de saber o que me motiva, por que busco viver em intimidade com minha própria vida e com o mundo. A resposta mais verdadeira é a mais simples: porque preciso. Sou forçada por uma profunda necessidade da alma, movida por um desejo, que não me deixará só, de viver a vida plenamente. E eu sei que isso não significa trabalhar sem cessar, cumprir o máximo de tarefas ou consumir a maior quantidade e variedade possíveis de coisas e experiências. Significa saborear cada bocado, sentir cada respiração, ouvir cada canção, alerta e consciente de cada momento que se abre.
Viver plenamente o presente não significa negligenciar as consequências das atitudes que tomamos para o futuro. Se nós, no Ocidente, onde reside grande parcela do poder político e econômico do mundo, quisermos encontrar um modo de promover as mudanças necessárias para garantir que os filhos de nossos filhos possam viver neste planeta, teremos de aprender a participar totalmente de nossas vidas, a lembrar e experimentar a interconexão de todo espírito e de toda matéria. Busco a sabedoria numa vida que combine contemplação e ação. A verdadeira contemplação — viver de fato as alegrias e tristezas do meu coração e do mundo — me leva à ação, guiada pela consciência e impulsionada por uma paixão pela vida.
Não estamos oferecendo barganhas. Não se pode trocar a coragem necessária para viver cada momento pela imunidade frente às tristezas da vida. Podemos dizer que sabemos disso, mas a idéia da barganha domina nossa cultura. Desde a infância, assimilamos a crença de que há sempre um bom negócio a ser fechado, uma pechincha a ser conseguida. Finalmente, acreditamos que, se fizermos tudo corretamente, se formos suficientemente bons, espertos, sinceros e trabalharmos bastante, seremos recompensados. Os versos dessa canção variam — se você se arrepender de seus pecados e se empenhar em não pecar de novo, irá para o céu. Se fizer seus deveres cotidianos, controlar sua dieta, curar a criança que há em você, resolver todas as suas questões emocionais, concentrar-se em seus objetivos, colocar-se em sintonia com o mundo ao seu redor, apurar suas afirmações, encontrar e ouvir a voz do seu eu superior, você será recompensado com saúde perfeita, prosperidade abundante, relações afetuosas e paz interior — em outras palavras, o céu!
Sabemos que aquilo que fazemos e o modo como pensamos afetam a qualidade de nossas vidas. Muitas coisas dependem claramente de nós. E muitas outras não. Não me parece evidente que o universo funcione num sistema de causa e efeito baseado no mérito. Muita coisa ruim acontece a pessoas boas — o tempo todo. O sucesso financeiro realmente chega para alguns que fazem o que não amam, assim como para alguns que não querem ou são incapazes de ver o mal que causam ao planeta e aos outros. Muitos grandes artistas foram pobres. Excelentes professores viveram na obscuridade.
Meu convite, o desafio que faço, é caminhar para uma intimidade maior com o mundo e com sua vida, sem qualquer promessa de segurança ou garantia de recompensa além do valor intrínseco da participação plena. Para nos ajudar ao longo desse caminho, ofereço meditações ao final de cada capítulo. Essas meditações não são receitas destinadas a remediar as dificuldades e infelicidades de nossas vidas e de nosso mundo, mas me ajudaram, bem como àqueles com quem trabalhei, a nos desenvolver e a viver em intimidade com nós mesmos e com o mundo. Você pode lê-las lentamente e gravá-las para ouvir depois, ou pedir que um amigo as leia para que você possa acompanhá-las.
A vida vivida intimamente pode não ser mais fácil. Mas é mais completa, mais rica e mais aberta a tudo: à desordem e ao discernimento, à excitação e ao tédio, à sombra e à luz. E, de algum modo, aumentar minha capacidade de simplesmente viver com tudo isso torna, de fato, o que é difícil mais fácil de suportar, permitindo-me dar e receber mais a cada momento. Frequentemente isso simplesmente me ajuda a encontrar meu senso de humor quando estou me levando a sério demais, a rir quando constato o quanto a maravilhosa serenidade do momento de meditação pode ser abalada pela sensação corriqueira da água fria encharcando minhas meias.
Escrevi O Convite ao voltar de uma festa, bem tarde. Estava agitada, decepcionada com uma noite gasta com a costumeira conversa social. Inquieta, sentei-me à mesa de trabalho, no escuro, e pus-me a ouvir os sons ao meu redor pouco a pouco diminuírem à medida que a cidade se acomodava para dormir. Ali, no silêncio, recebendo no quarto a luz pálida de uma lâmpada da rua, peguei uma caneta e escrevi o que de fato gostaria de ter dito às pessoas com quem tinha estado naquela noite, usando como modelo um exercício de redação que tinha aprendido num workshop.
Quando terminei, sentei-me na penumbra e li o que tinha escrito em voz alta para a cidade adormecida. Ouvi meu anseio de estar plenamente com os outros. E no silêncio que se seguiu, escutei a voz do mundo, que algumas vezes penso perceber tarde da noite, pedindo que me lembrasse desse anseio.
Quando me imagino velha, no final da vida, e me pergunto como avaliarei meu tempo neste mundo, uma questão apenas me preocupa: fui capaz de amar bem? Há mil maneiras de amar outras pessoas e ao mundo — com nosso toque, nossas palavras, nossos silêncios, nosso trabalho, nossa presença. Quero poder amar bem. Essa é a minha aspiração. Quero demonstrar amor pelo mundo, pelo meu modo de viver e pela minha convivência cotidiana comigo mesma e com os outros. Procuro então aumentar minha capacidade de viver com a verdade a cada momento, de estar com o que conheço, o doce e o amargo. Quero permanecer consciente da imensidão do que não sei. Isso é o que me leva à caminhada. Não quero viver de nenhuma outra maneira.
Algumas vezes imagino que cada momento em que amamos bem, simplesmente sendo tudo aquilo que somos e estando totalmente presentes, nos permite devolver algo essencial ao Sagrado Mistério que mantém toda a vida.
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