sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Identidade Liquida

Acho que este vai ser mais um daqueles posts cabeludos, que sei mais ou menos por onde começa mas não tenho certeza onde vai parar. Às vezes uma idéia ou pensamento me encontra distraído e me agarra pelo braço, dizendo "escreva-me" e só me larga quando eu coloco ela no papel, realizo alguma mudança, comento com alguem ou coloco em prática. São idéias que vêm com uma força de auto realização. Esta me pegou ontem a tarde e me acordou hoje às 4 da manhã.

O ponto de partida são as mudanças de comportamento, de energia, de postura e de pensamento que tenho experimentado estes ultimos meses. Geralmente fico com um pé atrás pra essas mudanças, comento com meus amigos mais próximos, que são mais acolhedores às minhas viagens e impulsos passageiros e que também me dão feedbacks sobre o que vou compartilhando.

O que tenho experimentado é também um aparente paradoxo: estou com mais energia e vigor, que se reflete no emagrecimento e ganho de força. Ao mesmo tempo estou ainda mais sereno. Acho que passei por um periodo de desintoxicação psiquica, que desencadeou uma desintoxicação fisica (o impulso natural de mudar a alimentação). Ou vice-versa, vai saber.

E caminhando tranquilamente em direção à padaria da esquina, tenho um insight. Esse novo nivel de energia é uma influência, uma inspiração da história de paixão que vivi há alguns meses? Uma das (muitas) coisas boas que restaram depois de uma história de vida intensa, morte e renascimento? Provavelmente.

Mas aí dei o passo seguinte, a pergunta que nunca se cala: quem sou eu, afinal de contas? Uma tentativa de resposta eu escrevi em um post anterior. Um bom começo, me apropriar da minha caminhada, reconhecer o meu valor.

Mas dizer "eu sou assim" me congela em uma forma ou um conceito.

Então eu prefiro o "estou assim" como um reconhecimento até fugaz do momento que estou vivento. Me descongelo, passo para um estado liquido.

Eu não sou uma constante. Nenhum de nós é uma constante. Às vezes a gente se apega a um estado bom, se refugia em um momento de conforto ou simplesmente relaxa e se acomoda. E tudo bem, temos mais é que desfrutar do que nos acontece de bom. O convite é de desfrutar com atenção, mantendo a sensibilidade para as mudanças que estão ocorrendo o tempo todo.

Mas voltando ao quem eu sou, à essa ginástica de definir o indefinivel, o que eu quero dizer é que eu sou a soma de uma série de variáveis e fatores (essa é ótima... sou uma equação, hahahahaha). O que quero dizer é que quem eu sou depende de tantas coisas sutis e mutáveis, forças que mudam de intensidade o tempo todo e que assim alteram o comportamento e as atitudes.

Eu frequento várias tribos. Convivo com pessoas de teatro, com executivos, com psicologos, artistas, adolescentes, crianças, idosos, arquitetos, marketeiros, publicitários, advogados, contadores. Nenhuma destas palavras define qualquer uma dessas pessoas, mas dá pistas sobre o seu comportamento, ou melhor ainda, referem-se a um mapa de sensações e conceitos que tenho dentro de mim a partir da percepção, convívio e aprendizado. Tudo é relativo. Bem, em cada grupo eu tenho um comportamento diferente. Parte máscara, desempenho dos papeis sociais, parte porque eu sou um pouco aquela situação. Ou parte dela.

Eu sou o meu corpo. Não "tenho" um corpo, mente ou uma alma. Eu sou. Não tem aqui uma posse ou separação. E meu corpo muda... as células vão se reproduzindo ou morrendo, as conexões neurais vão acontecendo e, hum, desacontecendo.

Eu sou a minha memória, a minha história, o meu aprendizado. Lembro e esqueço, e mesmo o que lembro é variável... experimento a vida através dos meus sentidos. Logo, a realidade é aquilo que eu sinto. E os meus sentidos não são absolutos ou matemáticos... ouço parte, imagino complementos. Vejo de um angulo e coloco cores e brilhos diferentes sobre o que vejo. Quando me lembro, a minha memória passa pelos mesmos filtros e retoques, uma espécie de photoshop mental, onde aquelas pelancas desaparecem, onde as dores são evitadas.

Eu sou também esses filtros. Sou as escolhas que faço, consciente ou inconscientemente.

Eu sou o lugar que eu ocupo. O apartamento onde eu moro, com a bagunça e ordem, com a energia minha colocada ali.

Eu sou um pouco das pessoas que amo e que convivo. Sou um pouco Leia, um pouco Wlad, um pouco Wanda, um pouco Rubens, um pouco Soraya, um pouco Vagner, um pouco Angela, um pouco Sanclair... um pouco, ou muito, de cada um. Cada vez que eu tenho um encontro profundo com alguem, ocorre essa troca, essa comunhão. Um passo adiante, sou Isaac Asimov, Arthur Clarke, Oriah Mountain Dreamer, Rolando Toro... as leituras e idéias que me influenciaram... sou o que aprendi na escola, sou meus professores, livros didáticos e brincadeiras de escola.

Se eu sou as minhas idéias, cada vez que tenho uma nova idéia eu sou um pouco diferente. Cada passo que dou eu mudo um pouquinho. E aqui eu chego na tal autopoiese. Eu crio a mim mesmo.

Se troco idéias, se reconheço que uma idéia faz sentido, passo a ser outra pessoa, variando essa mudança conforme o quanto esse novo pensamento muda a minha forma de ser no mundo. Então, quando me encontro com você, ou mesmo quando você lê este blog com a cabeça e o coração abertos, você corre o sério risco de se tornar um pouco eu.

Momento viagem: pensei em um monte de Gilbertos andando por aí. E de certa forma há.

E mesmo mudando o tempo todo permaneço o mesmo. Mesmo caminhando pelo mundo, onde quer que esteja, se me perguntar onde estou a resposta não muda: estou aqui.

E se a gente reconhecer que a identidade é assim, tão permeável, em que isso muda a nossa forma de ver o mundo? Se eu sou o lugar que ocupo, o que eu sou, com quem estou... em que isto influencia estas escolhas? Caio nas três perguntas chave, o projeto existencial:
  • Onde quero estar?
  • Com quem eu quero estar?
  • O que eu quero fazer?
Cada uma vale um post, uma reflexão. Cada uma destas perguntas deve ser feita novamente o tempo todo.

Não sei se isto tudo satisfez a minha idéia, mas eu me sinto aliviado de colocar no ar esse pensamento, de escrever e compartilhar essa viagem, até para organizar - ou desorganizar - o pensamento. Ver a identidade como algo liquido, perceber o mundo como algo permanentemente em transformação é, hum, muito louco.

E um grande barato.

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