Você deve ter passado a vida inteira ouvindo a expressão: tempo é dinheiro. Como se cada segundo desperdiçado equivalesse a moedas indo pelo espaço. Também deve ter escutado aos montes sobre a sociedade materialista e seus supostos males à humanidade. Agora, suponhamos que tudo isso virasse de cabeça para baixo. Dinheiro é tempo o tempo que você gasta para ganhá-lo. E materialismo pode ser bom desde que você entenda como materialista aquela pessoa que valoriza tanto os bens materiais, mas tanto mesmo, que aproveita tudo o que pode deles, e, por isso mesmo, não precisa de muito para se satisfazer. Essas remexidas em velhos conceitos são algumas das propostas da simplicidade voluntária, um estilo de vida que passou a se propagar nos Estados Unidos nos anos 70, em resposta à sociedade de consumo, ganhou ecos em países como Canadá e França e, devagarzinho, chega ao Brasil. Pesquisas estimam que, nos Estados Unidos, cerca de 20 milhões de pessoas, 10% da população, estejam optando por uma vida materialmente mais comedida, pautada na convivência com a família, os amigos e a comunidade e no respeito à natureza, no sentido de fazer o máximo para preservar seus recursos. Uma maneira de viver que é exteriormente mais simples e interiormente mais rica, diz o escritor norteamericano Duane Elgin em seu livro Simplicidade Voluntária. O título do livro, lançado em 1981, deu nome a essa forma de viver.
A expressão simplicidade voluntária deixa claro que ter uma vida mais simples é questão de escolha, de estarmos mais conscientes do que queremos, de quais são os propósitos da nossa vida. E esclarece: não se deve confundir simplicidade com pobreza. Simplicidade é escolha, pobreza não. Simplicidade tampouco tem a ver com negar a tecnologia afinal, ela é muito útil. E muito menos significa mudar-se para uma cabana na floresta. A idéia é simplificar a vida onde se está, com o que se tem - e a maior parte das pessoas que já fazem isso vive nas cidades.
Dinheiro é tempo
Paulo Roberto trabalhava no mercado financeiro. Tinha um bom salário, boas perspectivas na carreira, freqüentava restaurantes e festas. Mas comecei a pensar que essas coisas não valiam o esforço que eu tinha que fazer para tê-las: muitas horas no trabalho, afastado de família, dos relacionamentos afetivos. Não traziam um benefício que justificasse esse sacrifício todo, diz. Pediu demissão, virou professor universitário, mudou-se para um lugar menor e está mais satisfeito.
Além do tempo e da energia investidos para ganhar o dinheiro necessário para comprar bens, também é preciso mantê-los. Se uma pessoa tem uma casa na cidade, outra na praia e uma terceira no campo, precisa cuidar da manutenção. Se tem dois carros em vez de um, vai ao mecânico o dobro de vezes. Você fica ali, ticando coisas numa lista, em vez de estar tomando um café com um amigo. Existem pessoas que parecem viver para resolver os problemas dos bens materiais que têm, diz Paulo Roberto. Por isso, vale a reflexão: o quanto o tempo e a energia investidos para a aquisição de coisas podem minguar as oportunidades de conviver com as pessoas, de buscar a espiritualidade, o autoconhecimento e o senso de comunidade?
O que Paulo Roberto fez, mesmo sem saber, foi o que a escritora Vicki Robin, uma das precursoras da simplicidade voluntária nos EUA, recomenda: tenha uma relação mais pessoal com o dinheiro. Ele é sua energia vital. Você paga pelo dinheiro com seu tempo, afirma Vicki. Quando você gasta dinheiro, não está gastando um papel emitido pelo governo, mas as horas que você investiu em seu trabalho. E, porque você se ama e se respeita, é melhor gastar o dinheiro com coisas que tenham valor para você, diz. Vicki propõe que as pessoas se questionem: aquilo que possuo ou compro promove a atividade, a autoconfiança e o envolvimento ou induz à passividade e à dependência? Até que ponto meu trabalho e meu estilo de vida atuais estão apenas vinculados ao pagamento de prestações, à manutenção das coisas, às despesas com consertos e à expectativa de outras pessoas? Levo em consideração o impacto de meus padrões de consumo sobre outras pessoas e sobre o planeta?
O bom materialista
Um homem é rico na proporção do número de coisas de que pode prescindir, afirma o filósofo americano Henry David Thoreau em seu livro Walden Ou a Vida nos Bosques. A verdadeira riqueza não estaria nos bens materiais, mas sim na qualidade das relações consigo mesmo e com os outros. O consumo em excesso poderia, então, ser um sintoma do vazio em outras áreas da vida, uma forma de compensação. Se essas áreas forem preenchidas, naturalmente, o consumismo decresce. E esse seria o primeiro passo para, quem diria, ser um bom materialista. As pessoas que consomem excessivamente têm baixo materialismo: compram um computador, mal o aproveitam e já querem outro, afirma Vicki Robin. O bom materialista é aquele que tira o proveito máximo dos bens materiais. Se você tem uma coisa, use-a muito, até acabar, diz.
É o que faz a fotógrafa Elaine Cimino. Em sua casa, há uma centenária cadeira de balanço sua avó Anita costumava sentar-se aos pés do móvel para acompanhar o pai na leitura do jornal. E também a cômoda da avó Tarsila, a mesa da antiga rotisserie da mãe, os lustres do primeiro apartamento dos pais, e tantos outros móveis da família. Há algum tempo, Elaine reformou a casa toda, usando praticamente apenas material de demolição. Sinto-me honrando esses materiais e a história deles, diz. Se Vicki Robin conhecesse Elaine, provavelmente diria que ela é uma pessoa frugal. Para a escritora, o verdadeiro significado da palavra frugalidade é aproveitar tudinho que se pode de cada coisa e de cada momento da vida. Até as ações mais simples, como chupar um picolé, desfrutando a cor, a textura, os aromas da doçura. E, com coisas demais, fica difícil dar essa atenção toda a cada uma.
Ponto de suficiência
Simplicidade significa eliminar distrações triviais, tanto materiais como imateriais, e focar no essencial o que quer que isso signifique para cada um, afirma Duane Elgin. É aí que está o pulo do gato, a chavinha de ouro. Mas como é difícil decidir o que é essencial! O pior é que, como diz Jorge Mello, um dos maiores divulgadores da simplicidade voluntária no Brasil, essa constatação não é transferível.
Mas, calma, existem alguns caminhos. Vamos começar pelas necessidades básicas. Do que você precisa para viver com dignidade e certo conforto? Casa, roupa, comida, saúde, educação e acesso à cultura certamente estarão na lista. Se essas necessidades estiverem supridas, do que mais você não abriria mão? O Jorge, por exemplo, de presentear pessoas. O Paulo Roberto, de almoçar ao menos uma vez por semana em um restaurante vegetariano de Niterói considerado caro. É essencial para mim, para meu corpo, estar bem, para eu me sentir satisfeito, saciado, diz. São os pequenos luxos a que todos nós temos direitos e que fazem a vida ficar muito melhor.
Em seu livro Dinheiro e Vida, Vicki Robin apresenta um gráfico que relaciona satisfação e dinheiro despendido. O gráfico faz uma curva ascendente, passando pelas necessidades básicas, algum conforto e pequenos luxos (sem exageros), até chegar ao ponto de suficiência quando os luxos passam dos limites, a curva começa a descer, pois a relação entre dinheiro e satisfação já não vale a pena. O ponto de suficiência seria o ideal para quem quer ter uma vida simples, mas longe da privação ou do sofrimento pois isso não tem nada a ver com simplicidade.
Quando aluno de Gandhi, Richard Gregg, o primeiro a falar em simplicidade voluntária, ainda em 1936, disse ao mestre que era fácil para ele abrir mão de muitas coisas, mas que queria manter seus vários livros. Gandhi respondeu: Então, não abra mão deles. Enquanto você obtiver ajuda interior e conforto de qualquer coisa, você deve conservá-la. Se você abrir mão dela num ato de austeridade e sacrifício, continuará querendo-a de volta e esse querer insatisfeito lhe trará problemas. Por isso, não tente eliminar nada de sua vida arbitrariamente. Faça uma lista com os itens que o levariam ao ponto de suficiência, nem mais nem menos. Antes de eliminar qualquer coisa, teste. Será que preciso mesmo do forninho e do microondas? Fique uma semana sem usar um deles e veja o que acontece. Você pode ter boas surpresas.
O arquiteto Max Gosslar teve um carro por três anos. Depois que se mudou para uma região mais central de São Paulo, passou a usar mais o transporte público e vendeu o veículo. Não vou dizer que não reclamo, faz falta, principalmente à noite e nos fins de semana. Mas, em termos financeiros, não valia. Daria um gasto médio de 700 reais por mês, diz Max. Nesse caso, a satisfação não era proporcional ao dinheiro despendido. Bárbara Monteiro sempre usou a bicicleta e, raramente, ônibus e metrô como transporte. Foram 35 anos indo para o trabalho e a faculdade de magrela até que... Comprei um carro na semana passada, nem sei como vai ser quando ele chegar, disse. Bárbara adora viajar nos fins de semana, pois tem necessidade de estar em contato com a natureza. Mas apertava o coração deixar o cachorro e o gato para trás. Queria levá-los, mas era sempre a saia justa de colocar os bichos no carro dos amigos e no ônibus não era nem permitido.
Moral da história: as necessidades mudam porque as pessoas mudam e os contextos mudam. Então, a pergunta a se fazer é: o que é essencial para este singular que sou (não para meu vizinho ou para meu chefe) na minha vida atual? Coloque-se esta questão constantemente e faça as adaptações necessárias. O ponto de suficiência não é estático, é mutante. Existe um critério, mas esse critério é vivo, diz Jorge Mello.
(revista vida simples)
domingo, 11 de maio de 2008
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